Eu estou com medo!
Sim meus filhos... papai esta com medo...
Não quero parecer forte ou ter super poderes, e gostaria que
vocês dois já tivessem idade suficiente para que a gente pudesse ter essa
conversa como adultos (Hj vcs tem 7 e 3 anos) ... Bem, no caso, acho que nem
como adultos, porque ainda não abri meu coração temeroso para a mamãe...
Estamos prestes a realizar uma grande mudança em nossas
vidas, com toda a nossa querida família!
Sei que cada um de nos terá seus desafios, mas eu gostaria
de falar aqui dos meus medos.
Espero que quando vocês dois lerem essa mensagem, tudo já tenha
sido superado e a gente possa dar risada desses medos naturais.
Eu já estou com 43, uma idade em que um homem já pensa em ir
parando com aventuras, estabelecendo seu cantinho... mas, a minha vida inteira
tem sido uma aventura, e estou adorando a possibilidade de realmente construir
esse ninho no Canada.
A idade não é um grande problema, mas ainda tem outros
fatores...
O idioma, que para vcs dois, talvez, pareça que eu fale um inglês
perfeito. Claro, nessa idade, vcs acham que papai sabe tudo. Meu inglês é básico,
que não me possibilitaria num primeiro momento, exercer nenhum cargo de
destaque, e ainda cargos de enter level, como caixa de supermercado... Por
isso, tenho medo...
Porque terei que reordenar meu padrão profissional, me
colocar numa função de trabalhador braçal... Cansativo, esforço físico.
Exercer um trabalho desse, obviamente não me diminuiria como
ser humano, mas ai soma-se a idade ao trabalho de chão de fabrica... e temos
como resultado o cansaço e o despreparo físico... fico com medo de ter algum problema
físico, de coluna principalmente, que me impeçam de realizar as atividades.
O que traria uma consequência de dificuldades financeiras
para a gente... me forcando a tentar e tentar e tentar outras coisas para
ajudar na renda... e sobrecarregar a mamãe... que estará agarrada aos estudos e
aos trabalhos.
Ai vem um outro medo machista... que é a depressão do homem
que ve a mulher derrubando barreiras e bancando a casa sozinha... e ai, o homem
se deprime, se fecha, porque o machismo nos faz pensar que isso é ser menos
homem... ou nos coloca como o gigante proprietário da galinha de ouro... que não
vai abrir mao de sua fonte de renda e passa a oprimir a mulher em sua liberdade
sadia!
Enfim, caso a mamãe tenha que suportar uma barra econômica sozinha,
que seja por um tempo... não poderei deixar a peteca cair...
Outro medo... que o trabalho e a necessidade de grana me
facam menos presente no desenvolvimento e no suporte que vcs irão precisar também...
sei que um homem sob stress laboral e pressão econômica, podem tornar-se distantes,
frios e ate mesmo violentos...
Outro medo é ter que largar tudo aqui no Brasil, essa
vidinha medíocre de funcionário publico que levamos... esperando a
aposentadoria enquanto envelhecemos... Parece que a gente se agarra a isso como
se vivêssemos num paraiso, é a famosa zona de conforto... que de conforto
mesmo, não tem muita coisa, mas como diz Marina Colasanti, a gente se acostuma...
E o medo de depois ter que retornar ao Brasil, para esse
mundinho medíocre que lutamos para desgarrar, com os sonhos desfeitos, com as finanças
quebradas, a casa vendida... o rabo entre as pernas... e menos sonhadores do
que na juventude... E menos exemplares para nossos filhos... Mais velhos e mais
cansados...
Medo de estar sendo aventureiro demais... de estar se achando
bom demais... corajoso demais... sendo que os riscos estao claramente definidos...
Medo de ficar me responsabilizando demais por um eventual
fracasso da jornada... medo de ficar tenso demais para que tudo de certo e que
essa tensão me impeça de relaxar e curtir o sabor do imprevisível, as alegrias
do impensado...
E se der certo la no Canada, ter feito um calculo mal feito
a respeito da minha aposentadoria e ter que me contentar com grana pouca quando
ficar velho e com ajuda do governo ou de outras pessoas... perder minha
aposentadoria do Brasil... minha autonomia, que aqui no Brasil, estaria
praticamente garantida. Esse é um assunto que realmente estudei muito pouco, confesso
que não tenho informações para saber como sera la e que estou confiando no
sistema publico canadense, por analisar as questões socio econômicas gerais.
Medo de dar um piripaque, bloqueio, pânico, na saúde mental...
sei la... (acho que isso eu não tenho tanto medo, mas já que estou abrindo o
jogo, as vezes eu penso isso sim...)
Medo dos fantasmas do passado, quando eu tentei me
estabelecer na Venezuela e fiquei apenas alguns meses por la... realmente deu
tudo errado... (não tudo, a experiencia foi bacana e ficou marcada para sempre
em minha vida)
Tenho medo do frio, da neve... medo de brigar com a família da
Tia Ju... (onde ficaremos os primeiros meses)... Da falta de lazer, de ficar
trancado em casa por causa do clima, da pandemia, da quebra da economia...
Medo meus filhos, medo... falar deles para vcs me faz bem (mamãe
vai ler isso assim que eu terminar de escrever) Obrigado por estarem lendo
isso...
Filhos... Os medos são naturais... a gente não esta indo
passear no jardim... estamos tomando decisões que irão nos transformar em
outras pessoas... como o Navio de Teseu...
Sei que nossa cabeça pensa, onde os pés pisam... e iremos
pisar em solo muito diferente... Entao, seremos pessoas diferentes... vocês ainda
mais do que eu... porque sentirão essa experiencia mais emotivamente e menos
racionalmente.
Uma coisa que eu não tenho medo... não tenho medo de falar
de meus medos... Isso não faz de mim um covarde, obviamente não... Quando a
aventura é muito grande, se faz necessário um planejamento muito grande... para
evitar os problemas que poderiam ter sido previstos.
Analisar cada um dos possíveis problemas, de onde nascem
esses medos... e saber que não estou jogando sozinho... ai quero falar da mamãe...
minha parceira, minha companheira, metade inteira do time... que estará ao meu
lado...
Estudo, planejamento, companheira de fé e trabalho, arregaçar
as mangas...
Isso faz diminuir os meus medos... não anula-los, porque
alguns medos podem ser completamente irracionais...
Olho para o meu passado... vejo exemplos dentro da família...
mulheres corajosas... Lembro de minhas próprias coragens... minhas jornadas
malucas, que todas, no final, deram certo... com o diferencial desta agora, é
que não estou sozinho... Isso me faz mais forte, e me força a planejar muito
mais...
Não tenho medo de que vocês dois não se adaptem, não tenho
medo nenhum disso... confio muito na inteligência e perspicácia de vocês dois...
e sei que dominarão o inglês e o francês bem antes de mim...
Para combater esses medos, coloco na balança todas as
vantagens que teremos caso o projeto de certo...
Penso na segurança do Canada, segurança em todos os
sentidos, no transito, nas leis, nos baixíssimos níveis de violência, no
sistema de saúde, na tolerância cultural, sexual, religiosa... nos
investimentos em ciência, na organização do estado, penso que na juventude, vcs
terão um suporte gigante para aventurar-se em campos profissionais
inimiaginaveis aqui no Brasil, nas politicas de drogas, penso no sistema de
educacao, nas oportunidades culturais e cientificas, na facilidade de
empregos...
Penso que se o medo me vencer, eu ficarei pensando em todas
as oportunidades que deixamos de provar, testar...
Sobre grana, gastar poupança que fizemos... penso que vale a
pena sim... melhor que juntar dinheiro
para comprar carro, esbanjar com futilidades... Que se gastarmos tudo que
ganhamos, e nada der certo... voltaremos mais calejados sim... mas com uma
grande experiencia nas costas... e de saber que ainda temos o vento como impulsionador
do espirito aventureiro...
Que temos coragem... que somos um time...
Eu e mamãe, estudamos muito mesmo antes de tomarmos as decisões...
Saibam que uma verdadeira companheira, deve estar lado a lado em todos os
passos... questionando, analisando, ponderando, na mesma sintonia pelo mesmo
bem comum, pelo sucesso da empreitada... Fizemos duas viagens de reconhecimento
ao Canada, com 3 meses de duração cada uma... atravessamos o pais de trailer,
trabalhamos ilegalmente para experimentar como seria a vida... convivemos com
os familiares, para não dar nenhuma treta no futuro...
Penso nos exploradores vikings, que se atiravam ao mar sem saber onde iriam parar., descobrindo novas e novas terras, rotas, a custo de muitas vidas, logicamente... e ai penso nos astronautas... que estudaram muito, muito, milhares de dolares investidos, agencias espaciais, e sairam em seus foguetes... Algumas vidas perdidas... mas e o tamanho do beneficio para a humanidade... E reflitamos... nao estamos indo para Marte, nem para Groelandia do seculo XII.
Um dos principais fatores que me fazem ter coragem, é um plano bem elaborado de retaguarda, um plano de retirada do exercito... Saber que nao iremos queimar os navios assim que desembarcarmos... e que se der tudo errado mesmo, no pior cenário, ainda assim tenho o emprego na Prefeitura garantido se resolvermos voltar, com uma renda que da para manter nossa família... e que mesmo que nao seja o plano ideal, seria uma retaguarda segura... como um porto confiavel que nos permite ir alem, permite se lancar ao mar, porque temos uma corda para puxar ...
Na tentativa frustrada que fiz na Venezuela, eu nao tinha essa retaguarda... retornei apenas com uma mochila nas costas, sem emprego, sem moradia... sem familia... tive que me reconstruir, e foi doloroso!
Estudamos os processos migratórios, as regras, as
burocracias infinitas, contratamos especialistas em migração, gastamos horrores
com curso do Pathway da mamae... nossas forças, nossas economias... as
carreiras para mamãe, as universidades, perdemos noites pensando em cada
detalhe... como seria a adaptação de vocês dois, a escola... nossos tempos...
Considerando que estamos em meio a maior crise sanitária na
era moderna... ate que nossos planos tem dado certo ate o momento.
Analisamos a família que temos ai... Vovo, Mamae, Ju, Alice,
primas, ... as vantagens disso para nosso enraizamento...
Fiz milhares de cursos on line em inglês, em diversos campos
do conhecimento, para tentar ir mudando de carreira lentamente (ou
abruptamente), nos preparamos sim... E esta chegando a hora de partirmos...
Amanha estamos indo para o Rio de Janeiro para fazermos a
biometria... um dos últimos passos do processo burocrático para o visto. Depois
disso, iremos (nos 4) para Curitiba para os exames médicos e depois aguardar o
visto ser aprovado.
Sera a primeira vez que vocês dois dormirão sozinhos na casa
da Baba... e por duas noites seguidas... Estamos apreensivos com isso, mas confiamos
que vai dar tudo certo...
Queria que vocês entendessem esse texto como um documento que
mesmo que fale dos medos do papai, queria que vcs entendessem que eles existem
sim, mas sempre serviu para nos fazer mais corajosos e mais organizados... e
somar forcas para nosso time não ser pego de surpresa...
Que saibam que papai sempre teve medo, que não é nenhum
super herói, e que sempre estará torcendo para vocês seguirem o caminho de seus
corações, mesmo que para isso tenham que enfrentar seus maiores medos... não desistam...
Espero que vocês leiam isso no futuro e que juntos possamos
dar risadas de alguns medos bobos e possamos conversar sobre os novos desafios
que teremos no futuro, unidos... sinceros, amigos...
Beijos meus filhos, amo muito vocês dois...
Para a mamãe, saiba querida, que isso também foi uma declaração
de amor!